segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Mídia marrom: A UNE e o Estadão

Charge de Bessinha para A Charge Online

Por Osvaldo Bertolino*

Em uma matéria bem típica do estilo do “jornalismo” da mídia, o jornal O Estado de S. Paulo publica na sua edição de domingo (29) matéria destacada acusando a União Nacional dos Estudantes (UNE) de fraude em convênios com o Ministério da Cultura. A “denúncia” desfia um rosário de acusações sem nenhuma comprovação e não mostra uma palavra da UNE para que sua versão seja ouvida.

Como bem observou um leitor que comentou a matéria, “esse pretenso escândalo na UNE é uma tentativa de desviar os olhos do público, evitando o enfoque em relação às enormes tretas descobertas e já comprovadas, cometidas pelo DEMo e pelo seu governador no Distrito Federal, José Arruda Sampaio”.

A sucessão presidencial, mais uma vez, vai se desenvolvendo em dois campos: o da política propriamente dita — o debate partidário — e o do terreno marrom da mídia. O primeiro é legítimo, e, com todas as restrições necessárias, democrático. O segundo é obsceno e não pode ser debitado ao acaso.

Processo histórico
Visto por um amador, esse papel da mídia é aceitável. Mas um olhar com lentes argutas revela o quanto esse terreno tem de matreirisse. No fundo, o que está em questão é a luta do passado com o contemporâneo, a negação do progresso originada com o golpe militar de 1964 contra a nova clareira aberta com a eleição de Lula em 2002. Como observou Miguel Arraes, Collor e FHC completaram a obra da ditadura militar.

Como dizia Nelson Werneck Sodré, quando o processo histórico dá um passo atrás, necessita, depois, dar pelo menos dois adiante. Até 1964, a reação usou a “Cruzada Democrática” — que, segundo Sodré, os irreverentes diziam ser cruzada com os americanos, liderada pela UDN fardada — para seus intentos golpistas. A base de apoio era a mídia.

Hoje, o papel desempenhado pela mídia está longe de ser “o de auxiliar a sociedade a fiscalizar a classe dirigente, investigando, expondo, cobrando” — como disse o apresentador da Rede Globo, Jô Soares. O que ela faz é criar lances patéticos para divertir o público, como se neles não estivesse hipotecado nosso futuro como nação.

Nova fase no país
Aliás, não foram poucas as vezes, ao longo do governo Lula, em que vozes convictas anunciaram na mídia os funerais da esquerda no poder. Recapitule: a barulhenta facção “esquerdista” do Partido dos Trabalhadores (PT) impediria Lula de governar. Não impediu. O arroubo gutural de Fernando Gabeira, quando ele deixou o PT, era o prenúncio da morte do governo. O governo continuou vivinho da silva.

A corrida aos guichês do Banco Rural também foi saudada como o atestado de óbito do governo. Seria o início de um terremoto que não deixaria pedra sobre pedra. As pedras continuaram praticamente no mesmo lugar. E então veio a cafetina Jeany Mary Corner, e então veio a cueca revistada no aeroporto de Congonhas em São Paulo e seu conteúdo gravíssimo, e então veio… bem, veio o apocalipse.

Mas o governo seguiu respirando e abriu nova fase no país. Isso prova um fato: o Brasil de mentira é o que se paralisa nas crises apocalípticas anunciadas por velhos coveiros e propaladas nas manchetes dos jornais. O Brasil de verdade é o que, a despeito de seus imensos problemas, deixou de ser uma piada.

A maioria das acusações da mídia, convenientemente, já foi sepultada em cova rasa — sem nenhuma investigação a mais, sem nenhuma satisfação ao público, sem nenhuma retratação. Simplesmente, boa parte da história sumiu.

Cláudio Abramo
Numa carta aos seus alunos — indevidamente publicada pelo jornal Folha de S. Paulo —, a filósofa Marilena Chaui disse que com esta imprensa estamos diante de um campo público de direitos regido por campos de interesses privados. “E estes sempre ganham a parada”, afirma ela.

Cláudio Abramo, conceituado jornalista com idéias situadas à esquerda no espectro político e respeitável ícone do jornalismo brasileiro — ele conheceu as entranhas de jornais como Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo —, dizia que para ter democracia no Brasil é preciso começar fechando todas as TVs particulares.

Esses latifúndios de mídia, dizia ele, são as primeiras trincheiras usadas pela direita em casos de crises políticas. Ele não fez uma tirada inconseqüente — apenas disse o que acontece. Não porque achava, mas porque sabia.

O condomínio que apóia a direita não se dá ao trabalho de levar em conta o fato elementar de que serão os eleitores brasileiros, e ninguém mais, que darão ou negarão mais quatro anos de governo para a situação. O que importa, unicamente, é promover, marquetear e vender a divergência.

Campanha da direita
O problema aparece quando se passa a utilizar a divergência como um bem de mercado e se entra no vale-tudo para promovê-la. O resultado é a construção de uma política do rancor. O atual governo é apresentado como o pior que já surgiu na história depois de Calígula.

Lula já foi comparado pela mídia a Hitler e seu governo classificado como mais nocivo que a ditadura militar do AI-5 — numa sucessão de disparates que seria cômica se não fosse reveladora da intolerância e do fanatismo que o “merchandising da divergência” está colocando no coração da política brasileira.

Esse tipo de política dá cartaz nas páginas do noticiário, mas não consegue ocultar algo fundamental: poucas vezes um governo brasileiro teve a sorte de enfrentar inimigos tão desqualificados como os que enfrenta hoje. De fato, um dos trunfos mais poderosos que Lula tem a seu favor é o tipo de gente que ficou no comando da campanha da direita. Munidos de um visto temporário para o mundo da ética, esses personagens só poderiam levar a opinião pública a uma conclusão: se eles estão contra o governo, ele só pode ser coisa boa.




A Estrada vai além do que se vê!

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