sexta-feira, 22 de maio de 2009

A voz do Alto

Quando foi divulgado no Rio de Janeiro o resultado do prêmio Hutuz 2008, a maior premiação do Hip Hop na América Latina, havia entre os vencedores um artista que chamava a atenção pela diversidade de características, tanto musicais, como em suas próprias origens. De Belo Horizonte, Minas Gerais –um estado que não tem ainda a visibilidade de São Paulo e Rio nas produções do rap–, o estreante Renegado angariou os troféus de artista revelação e melhor website. Misturando a batida das rimas com reggae, samba, MPB e até música cubana, o morador do bairro Alto Vera Cruz engrenou em uma carreira ascendente, que passa hoje (sexta 22) pela sua participação no show do ícone Jorge Ben Jor na capital mineira.

Nesta entrevista exclusiva ao portal Vermelho Minas, Renegado relembra um pouco do caminho percorrido desde os primeiros contatos com o rap, até esse momento de grande destaque nacional com o disco Do Oiapoque a Nova York, produzido pelo “cara” do hip hop brasileiro, Daniel Ganja Man (Racionais MC, Sabotage, Instituto, Zafrica Brasil), e com participação de artistas celebrados neste e em outros estilos musicais, entre eles, a sambista Aline Calixto, o grupo Meninas de Sinhá e os rappers Funk Buia e Cubanito.

Atual presidente, fundador e militante, há mais de 10 anos, da ONG NUC (Negros da Unidade Consciente), de Belo Horizonte, Renegado aproveita para mandar algumas idéias sobre política nacional, cultura independente, representatividade dos manos e a participação do rap no poder público. ''O Brasil e o mundo estão em processo de transformação. A prova disso? Lula e Obama'', dispara. Leia abaixo o bate papo com o artista mineiro.

Nesta sexta-feira, dia 22, você divide o palco, em Belo Horizonte, com um dos grandes nomes da música brasileira, Jorge Ben Jor. Qual a sua opinião sobre ele e a sua influência musical para outros estilos, como o próprio rap?
Jorge Ben é uma lenda viva da música popular brasileira e poucos artistas conseguem se manter sempre atuais assim. Ele desempenha este papel com uma enorme facilidade. Vários MC’s recebem influências diretas dele, como os Racionais, Thaíde e, inclusive, eu. Estar dividindo o palco do Chevrollet Hall com ele tem uma importância ímpar pra mim e para o meu trabalho.

Você é responsável por um dos discos mais elogiados do cenário hip hop brasileiro nos últimos meses, Do Oiapoque a Nova York. O que você apresenta neste trabalho?
Do Oiapoque a Nova York não é somente um disco, é a realização de um sonho, o sonho de traçar um caminho para nacionalização do rap. Isso se dá do nome ao conteúdo do álbum. Busquei compor um disco que tivesse letras que mantivessem a base do rap, mas ao mesmo tempo trouxessem para este universo o swing da musica popular brasileira. Estou muito feliz com o retorno que o trabalho está tendo e com a forma com que as pessoas estão absorvendo o seu conceito. E aproveito para dizer que já estão abertas as votações para o prêmio Hutuz 2009 e estou concorrendo novamente. Peço a colaboração de todos.

Fale um pouco de sua trajetória, artística e pessoal até este lançamento.
Eu sou uma pessoa muito feliz, pois tive possibilidades de acesso e de formação desde o início da minha trajetória. Primeiramente, com a minha grande referência, que é a minha mãe, dona Regina. Posteriormente, com os meus amigos de militância política e de trabalho na associação do Centro de Apoio Comunitário do bairro Alto Vera Cruz (''Salve Dona Valdete e Júlio César''). Inclusive, este foi o lugar do meu primeiro encontro com o meus parceiros, Negro F e Dj Francis, com quem fundei, em 1997, o grupo NUC (Negros da Unidade Consciente). O bairro Alto Vera Cruz é o nosso grande e generoso berçário. A atuação do NUC, tanto como grupo musical, como uma ONG, a partir de 2003, tem o intuito de dar este retorno à comunidade.

Com o projeto ''Manifesto 1º Passo'', o NUC, em diálogo com os grupos Meninas de Sinhá, Capoeirarte Brasil e o grupo de samba Senzala, levou um pouco mais do Alto Vera Cruz para o mundo. Foi neste projeto, dirigido pelo meu grande guru, amigo, parceiro de vida e composições, Gil Amâncio, em que percebi que eu era de fato um artista. Depois, fui convidado para me apresentar no projeto Stereoteca, pela minha empresária, amiga e confidente, Danusa Carvalho, que me ajudou a concretizar o projeto do disco. Este é o resumo destes momentos de felicidades da minha trajetória. E por que o rap? Somente o rap poderia ser a música capaz de expressar esta realidade de luta e conquista, pois é a música da verdade e se tornou a trilha sonora da minha vida.

O seu disco traz várias parcerias, entre elas a da sambista Aline Calixto. Recentemente você também participou do disco do Vander Lee e fez participações em shows cantando ao lado de jovens da nova geração da música mineira, como o Pedro Moraes. Como é, para você, circular e dialogar com vários estilos musicais?
As minhas palavras de ordem são sempre dialogar e quebrar fronteiras. Eu tenho a felicidade de fazer parte de uma geração que tem esta liberdade de transitar. O samba, o rap, o reggae, a MPB e a música mineira sempre me influenciaram e, por isso, tive a tranqüilidade de trazê-las para dentro do meu trabalho. E de fato eu acredito que isto é a tendência mundial, o dialogo sem perder identidade.

Você tem uma reconhecida trajetória de militância social e política no bairro Alto Vera Cruz. Como é esta sua atuação atualmente? Como este trabalho influencia na sua musica e vice-versa?Mano, ''sincronismo''. Esta é a palavra que define como o meu trabalho artístico está em diálogo com a minha militância. É verdade que eu não tenho a mesma disponibilidade para militar da forma que sempre militei, mas as perspectivas aumentaram. Hoje, o NUC é uma ONG articulada e respeitada em âmbito nacional, sem perder a atuação local. Como retorno na atuação artística, temos condições de mostrar para os moleques da quebrada que é possível acreditar em um sonho e que é sempre necessário continuar sonhando, pois o nosso povo está se esquecendo como isso é importante. Para o meu trabalho artístico, também é importante a minha atuação na quebrada, presidindo a ONG, pois é de onde eu tiro força e inspiração e onde eu faço, na prática, o que Hip Hop me ensinou. Eu tenho amor e respeito máximo ao Alto Vera Cruz: ''Salve Vera amada''.

Como está sendo o desafio e a satisfação de iniciar uma carreira de destaque no rap nacional partindo de fora do eixo São Paulo-Rio de Janeiro?
Minas sempre teve uma grande produção dentro do mercado do Rap, mas sempre foi pouco ouvida. Quando eu tive a felicidade de subir ao palco do Canecão para receber os dois prêmios do Hutuz, foi uma satisfação pessoal e coletiva, pois não era só o Renegado, mas o momento de um estado que recebeu aquele prêmio. É um trabalho que está chegando com características próprias, buscando apontar um novo formato pra o rap brasileiro, mas a caminhada é longa e temos muito ainda a conquistar.

A cena da música independente nacional –organizada hoje em festivais por todo o território e associações como a Abrafin (Associação Brasileira de Festivais Independentes)– ainda tem pouca participação de artistas do rap. Por que isso acontece? Como promover a circulação da cena hip-hop?
Eu vejo que os movimentos artísticos como o rock, reggae, samba e hip hop sempre caminharam paralelamente. Hoje, descobrimos as possibilidades de diálogos. Ao meu ver, a atuação do hip hop dentro dos festivais irá aumentar gradualmente.

Você faz parte ou é próximo de alguma organização/entidade/posse do rap, como a Nação Hip Hop Brasil ou Movimento Hip Hop Organizado Brasileiro (Mhhob)? O que acha destes movimentos?
Acho necessário, pois é sempre importante se organizar. Eu tive a felicidade de participar da fundação da Nação Hip Hop e de me organizar por meio dela.

Você produz, anualmente, em Belo Horizonte, o festival Hip Hop in Concert, dedicado à revelação de novos talentos. Quais grupos e artistas de BH você destacaria atualmente?
Hoje, temos uma cena que caminha para uma auto-sustentabilidade local. Vou falar de alguns grupos e organizações: Julgamento, Retrato Radical, Realistas Npn, Contrast, Apr, Verdade Seja Dita, Das Quebradas, Família de Rua, Nois Pega e Faz, Hip Hop Chama e NUC.
O Rap sempre teve uma característica de reflexão e contestação de questões da sociedade. Como você avalia o momento político brasileiro hoje, tendo em vista a proximidade de mais um processo eleitoral no país e em Minas Gerais?
O país está descobrindo o que é ter a gestão de um governo popular e como isso influência nas nossas vidas de uma forma prática. Acredito que nas próximas eleições vamos testemunhar um aumento da consciência política do povo, pois conseguimos mostrar que existem opções, e a população está sentindo isso. O Brasil e o mundo estão em processo de transformação. A prova disso? Lula e Obama.

O rapper Aliado G se candidatou a prefeito de sua cidade, Hortolândia, em São Paulo. Outros rappers também tentaram se eleger a cargos eletivos nas últimas eleições. Você acha que o rap deve participar da política? De que forma?
Acho que o rap sempre participou, questionando, agora caminhamos para uma atuação de proposição. O Hip Hop é um movimento popular, ou seja, deve ter seu assento de representação no estado.

Clique aqui para assistir o clipe da música Santo Errado:


Do Caderno Vermelho Minas, Rafael Minoro e Artênius Daniel



A Estrada vai além do que se vê!

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