segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Alegorias da caverna

Desenhista expõe trabalhos na Unimontes

Michelle Tondineli*

Alegorias da Caverna é o tema da exposição de Warley Souza Dias que acontece de 22 de fevereiro a 05 de março no hall do CCH da Unimontes – Universidade Estadual de Montes Claros.

De acordo com Warley, o dom da arte surgiu há pouco tempo e para ele é difícil dizer precisamente o momento em que descobriu.

- Como estou no início de minha carreira, está é a primeira exposição dos meus trabalhos, ainda estou me descobrindo. Prefiro, por essas e outras razões, que me concebam como desenhista e não como artista. É um termo mais genérico e dado a menos confusões. Bem, tenho certa habilidade para o desenho desde pequeno. Mas foi, sobretudo, na adolescência e juventude que o desenho deixou de ser, para mim, uma mera brincadeira ou pura técnica vazia, para transformar-se intencionalmente num modo de figurar o mundo, de mostrar minhas experiências e percepções - afirma.

Ele diz que foi um pouco perturbador descobrir o dom do desenho.

- Muitos desenhos desta exposição são transcrições de rascunhos que datam da época em que eu havia largado a faculdade de Direito, porque detestava. Fiquei um tempo parado, sem saber o que fazer. Rascunhei algumas coisas, nesse clima de desorientação. Daqueles parcos rascunhos, tristes e silenciosos, nasceu o desenhista que ora vos fala. Depois decidi fazer o curso de Filosofia. Aí é outra história - diz.

Segundo Warley, o tema da exposição nasceu de uma citação, um tanto satírica, à famigerada Alegoria da Caverna, do filósofo Platão.

- Há semelhanças estéticas: as sombras que as personagens da história viam projetadas na caverna lembram um pouco os traçados do carvão na superfície do papel: cinzas, instáveis, efêmeras. Mas há também motivos filosóficos. Acontece que, para falar da sua ideia de esfera supra-sensível, de mundo inteligível, Platão recorre a imagens da esfera sensível, a qual, em sua filosofia, tem valor menor por ser concebida apenas como aparência ilusória, uma sombra ou eco do inteligível. Parece-me assim que a apoteose do inteligível culmina, na alegoria de Platão, numa espécie de reabilitação/remissão indireta do sensível. Essa exposição, eu lhe dei um tema, embora os desenhos mostrem percepções e motivos variados: prostituição, suicídio, o sertão, a cidade, infância, exílio - afirma.

O desenhista ainda diz que a Alegoria da Caverna reflete esta relação um tanto conflituosa que há entre o mundo conceitual, um tanto abstrato, da linguagem e o universo sensível e vigoroso das imagens plásticas.

- Um exemplo atual pode ser encontrado numa frase corrente no senso comum: uma imagem vale mais do que mil palavras. Se por esse vale mais se entende um dizer mais, eu discordo totalmente. Uma imagem não diz nada. Só à palavra é que é dado dizer. A força da imagem é justamente a de não dizer, a de mostrar ou indicar sem conseguir dizer. Por isso, eu escrevo no release a seguinte frase que sintetiza o tema da exposição: a sobrevivência do desenho como linguagem muda. O desenho revela o seu poder, lá onde à palavra não é dado dizer, no momento em que ela, por assim dizer, paralisa. Daí o sentido do subtítulo: afasias. Um desenho meu é como uma afasia, uma doença da língua tornada produtiva: é o esforço por mostrar aquilo que não se consegue mais dizer. É um dedo que aponta, uma mão que gesticula, um olhar que se franze na superfície de uma imagem - finaliza.

Outras informações através do email alegoriasdacaverna@yahoo.com.br ou pelo telefone (38) 9966-3105.

DESENHISTA USA FRASE DE CHARLES BAUDELEIRE PARA EXPOSIÇÃO

Dia 22, a partir das 8h, acontece no CCH da Unimontes exposição que tem como tema a frase de Charles Baudelaire Deixa o velho Platão franzir seu olhar sério, no original Laisse du vieux Platon se froncer l’oiel austère, que foi retirada do poema Lesbos, de As Flores do Mal.

O desenhista Warley Souza Dias afirma que o olhar sério de Platão é dirigido aí às mulheres licenciosas de Lesbos, discípulas de Safo.

- Fiz uma apropriação pessoal do verso do poema casando-o ao título da exposição. Na história da filosofia, Platão tem a fama de conservador, de inimigo das paixões, de crítico ferrenho das aparências. Não sei qual é o Platão verdadeiro. Mas se este Platão desenhado pela história fosse apreciar meus desenhos, imagino que ele os viria assim, franzindo seu olho sério - afirma.

O desenhista diz que o mundo contemporâneo não é propício às inspirações.

- No mundo da arte, a inspiração era concebida como aquela vontade criadora que precedia e instigava a realização de uma obra. As mudanças históricas inverteram um pouco essa situação. Hoje, é difícil se criar por inspiração. Ao contrário, se cria, cada vez mais, para se ficar inspirado. Fico inspirado durante e após a realização de uma obra. Quase nunca no momento antecedente. Penso que nas circunstâncias atuais, a criação deve nos tornar inspirados para enfrentar a apatia do mundo e da vida - diz.

Warley diz que a sua preferência é por obras que tenham como matéria a vida humana e a história.

- Mas, gosto de outros tipos de pintura e outras formas de artes também. Todavia, minha técnica predileta é o desenho. Digamos que o desenho é a forma que mais convém ao meu modo de ser. Além do mais, eu distingo o desenho da pintura. O gesto da mão que segura o lápis, o carvão ou o giz pastel não é o mesmo gesto da mão que segura um pincel. Embora haja semelhanças, o desenho e a pintura não são regidos pelas mesmas leis. Na história da arte, o desenho recebeu pouca atenção. Se eu peço a você para citar nomes de pintores famosos, muitos lhe virão à mente. O mesmo não acontecerá se eu lhe pedir para citar nomes de desenhistas - afirma.

Para ele, o desenho muitas vezes foi tratado como esqueleto ou uma ante-sala da pintura.

- Na modernidade, com movimentos como o impressionismo, em que a cor se viu liberta do traço e da forma, a pintura e o desenho ganharam maior autonomia um frente ao outro. Penso que faz parte do desenho certa simplicidade em apreender o múltiplo visual das superfícies e das formas: o traço, o contorno, a contenção ou a ausência total da cor são como abstrações que procuram captar o essencial de um objeto ou idéia. Acontece para mim, às vezes, no que se refere à apreciação do desenho e da pintura, algo semelhante ao que acontece em relação à apreciação da fotografia preto-e-branco e da colorida. A colorida é mais real, brilhante e chamativa, mas a preto-e-branco, por uma elegância que lhe é própria, consegue mais me tocar, evocar meus sentimentos, lembranças e idéias. Não digo que seja assim com as outras pessoas. E isso também depende, é claro, da qualidade do desenho e da pintura que estão em questão - finaliza.

COM CRIATIVIDADE TODO MUNDO VAI LONGE

O desenhista Warley Souza Dias realiza sua primeira exposição em Montes Claros neste ano. Para ele, criatividade não tem tempo e nem hora marcada.

- Vai depender muito do tempo que levo para um desenho. Há um desenho meu, Simulacros: súplica, que levei menos de meia hora para fazer. Há outros dois que levaram meses. Cada desenho exige um tempo próprio de elaboração e execução - afirma.

O desenhista acha que é difícil viver de arte na cidade, assim como é fácil realizar vernissage de quadros.

- Não acredito que ganharei um retorno financeiro considerável com meus quadros, pelo menos por enquanto. Penso que os bons artistas o são mais por teimosia e por vocação e menos por expectativas financeiras. Eles não se vêem fazendo outra coisa. E às vezes apostam o que têm para satisfazer essa singular exigência do espírito, esse adorável capricho da alma, que os levam, amiúde, a muitas mazelas. Não é tão difícil expor quadros. Espaços há. O mais difícil é atrair o público, vender e se fazer compreender em sua arte. Para isso acredito que sejam necessárias muitas exposições - afirma.

Para melhorar os espaços de exposições na cidade, Warley diz que é preciso uma mudança dos hábitos culturais da região.

- Em Montes Claros, há bons artistas, mas pouco reconhecimento e valorização. A maior valorização da arte implica em transformações culturais que poderiam ser incitadas por políticas públicas. Penso que o artista isolado pouco pode fazer para mudar o estado geral das coisas. Trabalhos por encomenda eu faço desde que me seja dada certa liberdade para a composição da obra. O interessado pode me sugerir um tema ou imagem e eu faço um rascunho. Caso ele goste, eu procedo à realização do quadro - diz.

Warley acredita que não conseguiria dar aulas e nem realizar trabalhos cômicos como histórias em quadrinhos e caricaturas.

- Não sou suficiente cômico para fazer caricaturas, nem suficiente inventivo e paciente para imaginar histórias. No entanto, há uma relação entre meus desenhos e o universo infantil. Certas personagens de meus desenhos parecem surgir de uma estória infantil. Existem algumas que surgem literalmente desse mundo, como no desenho intitulado Alice adentro as Ficções do Interlúdio. Talvez tenha recebido influência das ilustrações dos livros que lia quando criança. De qualquer modo, é um grande sonho meu ser, um dia, ilustrador de livros infantis - finaliza.

*Repórter d'O Norte de Minas


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