quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Crise financeira: a raiz é profunda

As ações terroristas do Estado israelense na Faixa de Gaza têm relegado a segundo plano, no noticiário da mídia, as agitações no mercado de trabalho já no início de 2009. Independente deste descaso, o que vemos é uma espécie de preâmbulo dos assustadores efeitos da quebra do sistema financeiro mundial na economia real.

Por Osvaldo Bertolino

É provável que muitos poucos dos senhores que perderam a compostura, e até mesmo a gravata e os botões das camisas no meio de um ataque de histeria coletiva — gritando “vendo”, arrancando os cabelos ou desmaiando perante os monitores que mostravam minuto a minuto como se evaporavam a honra, o prestígio e, sobretudo, o valor das ações dos líderes do mundo financeiro —, não tenham tomado consciência de que estão protagonizando um feito histórico. Em artigo na revista África 21, Manrique S. Gaudin apresenta dados que demonstram o início da pior crise do mundo capitalista desde aquela famosa quinta-feira, 24 de outubro de 1929, quando o crash da bolsa mais célebre do mundo desencadeou a “Grande Depressão” — um longo período de recessão que, para devolver o sorriso ao mundo das finanças, foi preciso primeiro que a devastadora Segunda Guerra Mundial gerasse uma imensa procura de alimentos e crédito. As primeiras semanas de setembro de 2008 são o equivalente àquela quinta-feira do século passado.

Maior plano de resgate privado da história

O furacão que começou a girar nos Estados Unidos levou os governos daquele país e da Europa a adotar o que pouco tempo atrás seria classificado pela histeria neoliberal de “surto socialista” — a nacionalização de bancos, seguradores e entidades de crédito, no que se tornou o maior plano de resgate financeiro da história. Trata-se, no entanto, de um “surto socialista” privado, de salvamento do particular, feito com recursos do Estado e do coletivo.

E ninguém exagera ao falar do maior plano de resgate privado da história — para se ter uma idéia, os US$ 700 bilhões disponibilizados pelo presidente George Bush equivalem a 23 vezes o Produto Interno Bruto (PIB) do Uruguai. Gaudin cita que só essa parte do plano de resgate — que inclui aproximadamente outros US$ 300 bilhões ou mais — equivale ao montante investido pelos Estados Unidos nos quase seis anos da sua guerra de ocupação do Iraque. Para salvar os bancos, cada cidadão dos Estados Unidos está contribuindo com cerca de US$ 2 mil.

Estado de alerta na América Latina

A fabulosa soma de dinheiro consumida na tentativa de controlar a crise será traduzida, no futuro, em recessão e inflação mundiais. Prevê-se um longo período de recessão e inflação, mas os efeitos imediatos são já devastadores: caem a procura e os preços das matérias-primas, reduzem-se as remessas que os imigrantes enviam para as suas famílias nos países pobres e já são milhares os trabalhadores suspensos temporariamente ou demitidos. Segundo estimativas das mais diversas origens, a crise terá consequências graves, como a diminuição do crédito externo, a depreciação das moedas nacionais e restrições de liquidez bancária.

Haverá uma forte retração das exportações para os países centrais e uma baixa da cotação internacional das matérias-primas, tal como já ocorre com o petróleo, a soja, o milho, o trigo e outros produtos agropecuários. A crise já colocou em estado de alerta o sistema econômico latino-americano, os governos e a complexa trama de organismos supranacionais. Na primeira semana da crise, o establishment latino-americano optou por minimizar os seus efeitos. Gaudin lembra que não houve nenhum governo, especialmente os de economia mais forte, que não afirmasse, quase como uma repetição, que estava em condições de contrariar os efeitos nocivos da crise. Mas rapidamente tiveram que assumir a realidade.

Reações do México e da Colômbia

Curiosamente, o primeiro a admiti-lo foi um banqueiro, Carlos Fedrigotti, ex-diretor geral do Citigroup. “A região tomou consciência de que no sistema financeiro internacional há elementos de excesso e riscos imprudentes e irracionais, que se parecem às probabilidades dos jogos de um cassino”, disse o banqueiro. O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva usou a mesma imagem quando disse que os países pobres, que têm feito um grande esforço fiscal para ter um período de crescimento, são vítimas agora do cassino instalado no sistema financeiro dos Estados Unidos.

O mexicano Luis Téllez, ministro das Comunicações e talvez o melhor porta-voz do presidente Felipe Calderón, foi o mais direto de todos. “Os especuladores mataram-nos, a depressão que aí vem será monumental”, afirmou. O presidente colombiano Álvaro Uribe, um fantoche do presidente do regime norte-americano, também não pôde deixar de falar com realismo. “Sofreremos em temas tão sensíveis como o emprego e a pobreza, a desaceleração econômica será convertida em recessão e a recessão nos levará a ter mais desempregados e mais pobres”, afirmou. Manifestações como essas se espalharam pelo mundo.

Resposta implacável de Cristina Fernández

Durante a última Assembléia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em setembro de 2008, a crise foi o único tema. Na ocasião, os presidentes latino-americanos foram apertados em Nova York pelos gestores das multinacionais, que exigiam respostas urgentes para saber como eles pensavam a crise. A presidente argentina Cristina Fernández foi implacável. “O Primeiro Mundo, que nos pintava como ‘A Meca’, está caindo em pedaços e vocês perguntam-me se a Argentina tem um ‘plano B’ para enfrentar a crise? Senhores, sejamos francos! É preciso que vos fale seriamente: quem precisa de um ‘plano B’ são vocês, Estados Unidos e União Européia, e podem consegui-lo se fizerem uma gestão responsável das vossas economias”, afirmou.

O governo do México — aliado, juntamente com o Canadá, dos Estados Unidos no Mercado Comum do Norte (Nafta) — prevê uma desaceleração econômica por via de uma forte queda das exportações, de um menor número de turistas norte-americanos no país e de uma redução sensível das remessas que enviam às suas famílias os mexicanos imigrados nos Estados Unidos (em 2007, foram movimentados US$ 23 bilhões e, segundo o banco central mexicano, só no mês de setembro registrou-se uma queda de 12%). Em menos de duas semanas, as divisas do México e Canadá desvalorizaram-se mais de 20% frente ao dólar norte-americano.

Questão que nunca vai realmente embora

A economia dos países da América Central — que ao assinarem o Tratado de Livre Comércio (TLC) com os Estados Unidos também passaram a ser aliados estratégicos do regime norte-americano — também sofrerá um duro golpe. Prevê-se um crescimento, na região, de 3,9%, contra os 6,4% registrados em 2007 e os 6,8% anteriormente estimados para 2008. Um relatório da Secretaria de Integração Econômica da América Central indica que cerca de 16 milhões dos 40 milhões de pessoas da região vivem em condições de plena pobreza — o que pode levar a crise financeira a transforme-se em crise humanitária.

De acordo com uma estimativa do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), nos três países sul-americanos que receberam maiores volumes de remessas dos imigrantes em 2007 — Brasil (US$ 7.400 milhões), Colômbia (US$ 4.200 milhões) e Equador (US$ 2.900 milhões) — já houve uma redução nos envios da ordem dos 7,7%. Dados como esses aparecem quase que diariamente no noticiário econômico, fato que traduz-se em um bom momento — certamente um dos melhores que já apareceram nestes últimos anos — para debater uma questão que nunca vai realmente embora: o papel do Estado.





A Estrada vai além do que se vê!

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