sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Saramago - 10 anos de Nobel

José Saramago, o escritor mexicano Carlos Monsivais, o colombiano Gabriel Garcia Marquez, e a sul-africana Nadine Gordimer, durante a abertura da Feira Internacional do Livro em Guadalajara em 2006.
(Foto:AP Photo/Guillermo Arias)

José Saramago - dez anos do Prémio Nobel e a sua influência nas letras portuguesas

Os dez anos de atribuição do Prémio Nobel a José Saramago, e o seu reflexo nas letras portuguesas, serviram de mote a uma sessão na Casa Fernando Pessoa – um centro de referência na vida cultural de Lisboa -, coordenada pelo jornalista Carlos Vaz Marques, que contou com a presença de Zeferino Coelho, Miguel Real, Carlos Reis e João Tordo (presente para apresentar o seu último romance).
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Carlos Reis iniciou a sessão recordando alguns episódios que rodearam a notícia da atribuição do Prémio. Ficou a saber-se que, a caminho do Porto, para uma reunião de quadros do Ministério da Cultura, foi contactado pela Antena 1 para um directo após a conferência de imprensa da Academia Sueca. Pedindo ao seu motorista para sair da auto-estrada assim que fosse possível, aconteceu, então, que o directo para a Antena 1, para falar sobre José Saramago, teve lugar em Fátima. No mesmo registo, Carlos Reis referiu depois a chegada ao Porto e o ambiente de efervescência que se vivia entre os representantes do Ministério da Cultura, incluindo o então Ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho. Ficou decidido, nessa reunião, que seria a Biblioteca Nacional a organizar a recepção ao escritor no Centro Cultural de Belém. E, passada uma semana, perante uma plateia de duas mil pessoas, e com uma impressionante ovação de oito minutos, a homenagem teve lugar. Dos demais episódios, Carlos Reis não deixou de referir o já célebre episódio do avião, com a pressão desmesurada de alguns responsáveis políticos sedentos de acompanhar o escritor na chegada a Lisboa. Partindo, então, para uma análise à importância da obra e do prémio, teceu algumas considerações sobre o carácter alegórico da obra de José Saramago, afirmando que esta foi e é, a par da inovação estilística, uma das grandes marcas da modernidade do escritor. Quanto à repercussão do Prémio nas mais novas gerações de escritores, Carlos Reis sublinhou que a criação do Prémio José Saramago testemunha a coragem do escritor em apoiar os escritores mais novos, facto ainda mais importante por partir de um escritor que só aos 58 anos encontrou maior eco no público.
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Miguel Real centrou a sua abordagem num levantamento dos nomes de escritores que figuraram nos suplementos culturais (quando ainda existiam alguns…) desde os anos 80, 90 até aos nossos dias. Nomes como os de Augusto Abelaira, Maria Judite Carvalho, José Cardoso Pires ou Maria Velho da Costa foram referidos como parceiros de José Saramago nas páginas dos jornais de então. Na década de 90, ao lado de José Saramago, outros nomes surgiram: Mário Cláudio, Luísa Costa Gomes, Francisco Duarte Mangas, José Riço Direitinho, entre outros. Nos nossos dias, Gonçalo M. Tavares, José Luís Peixoto, valter hugo mãe, todos distinguidos com o Prémio José Saramago. Analisando os nomes apresentados, Miguel Real afirmou não ser clara uma presença da influência da escrita de José Saramago nos nomes referidos nas décadas de 90 e nos nossos dias. Mas, se a presença de uma influência literária não é clara, é evidente que a atribuição do Nobel, a profusão de discursos de José Saramago sobre outros autores portugueses e sobre uma literatura portuguesa, até então vista como marginal, e a criação do Prémio José Saramago abriu portas para uma maior visibilidade sobre o trabalho de muitos destes autores.
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Confirmando a regra, exceptua-se o caso de Gonçalo M. Tavares, que situa a sua narrativa num plano difuso quanto ao espaço e ao tempo. À semelhança de José Saramago, que com o “Ensaio Sobre a Cegueira” iniciou um percurso por uma narrativa que não tem fronteiras espaciais definidas, uma literatura transnacional centrada em homens, mulheres e questões universais. A este propósito, referiu Carlos Reis a capacidade de reinvenção de José Saramago, que, com o já referido “Ensaio Sobre a Cegueira”, iniciou um estilo pessoal pós-Nobel, poucos anos antes da atribuição do Prémio.
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A terminar a sessão, Zeferino Coelho referiu também alguns episódios que marcaram os dias que sucederam ao anúncio do Prémio e centrou o seu discurso no papel do editor. Recuando dez anos atrás, recordou os momentos de emoção que se viveram, a capacidade de reacção da Caminho, uma pequena editora, que num curto espaço de tempo respondeu às diversas solicitações, cumprindo um rigoroso plano de reedições. Reiterou a grande capacidade de trabalho do escritor, a sua enorme resistência que lhe permitiu percorrer o país de norte a sul nos meses que se seguiram ao anúncio da atribuição do prémio, a sua meticulosa organização na pesquisa e na entrega de cada original.
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A terminar, uma referência à intervenção de Inês Pedrosa (directora da Casa Fernando Pessoa) que assistia à sessão e que não deixou de afirmar a enorme dignidade e verticalidade de José Saramago, recordando o primeiro discurso pós-anúncio, e a referência ao nome de Maria Velho da Costa, e as diversas alusões à literatura portuguesa e a outros autores de língua portuguesa. Um contributo inultrapassável para o edifício literário português.

Sérgio Letria, pra o Blog do Saramago
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