quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Miragens no deserto

Charge de Miguel para o Jornal do Comércio

O professor Murilo Ferreira analisa a conjuntura econômica e demonstra que a atual crise não é de ocasião, "um simples ajuste no sistema devido a comportamentos inadequados de agentes financeiros, empresários e governos. É uma crise estrutural do sistema capitalista, cujos desdobramentos vem de longas décadas, onde os problemas da atualidade não são mais do que um capítulo dramático da mesma novela".


Miragens no deserto

A "aristocracia operária", nestes anos de neoliberalismo, andou aplicando sua poupança no mercado de ações, fruto do fenômeno chamado de "popularização das bolsas de valores". É comum este tipo de "ilusão de classe", onde o trabalhador passa a acreditar que ele é uma espécie de sócio minoritário do sistema capitalista e, através de muito trabalho e cooperação, pode ter um futuro de paz e prosperidade. Até mesmo os militantes socialistas estão sujeitos a falsas miragens no deserto sob o sol escaldante do mercado. A expectativa de ganhos fáceis inebriou a mente de muitos trabalhadores. Contudo, como diz o ditado popular, "dinheiro que vem fácil, vai fácil".

Quero demonstrar que a atual crise não é de ocasião, um simples ajuste no sistema devido a comportamentos inadequados de agentes financeiros, empresários e governos. É uma crise estrutural do sistema capitalista, cujos desdobramentos vem de longas décadas, onde os problemas da atualidade não são mais do que um capítulo dramático da mesma novela. Não se sabe se o capítulo seguinte irá ter um novo cenário de recuperação ou de depressão, mas o que se sabe é que o sistema cobra transformações profundas.

Nós, trabalhadores, não podemos nos iludir com as fórmulas que nos são impostas pelos governos de nações imperialistas, que em última instância, querem salvar o capitalismo, sob pena de nos fazerem pagar a conta desta hecatombe financeira, basta ver como rapidamente socorreram os bancos e as instituições afins. O pior pode acontecer e temos que ter iniciativas para garantir que haja crescimento econômico, garantia de emprego e renda e que continue a haver desenvolvimento no Brasil e na América Latina.

Uma situação absurda, prova de como a banca tem muito poder, é a taxa de juros praticada pelo Banco Central, não é de hoje que ela é um entrave ao crescimento e ao desenvolvimento do país e que faz a alegria dos especuladores e banqueiros. Ainda nestas circunstâncias, o BC não se dá conta da gravidade do problema que o mundo todo enfrenta, e ao contrário do que muitos países estão fazendo, reduzindo juros, o BC ainda mantém taxas astronômicas.

O estouro da bolha das empresas de tecnologia, a chamada nova economia, nos anos de 1998-99, gerou profundas perdas nos mercados financeiros e recessão nos EUA, que só foi contornada, em grande parte, por uma política de queda nas taxas de juros pelo FED, o que estimulou enormemente o consumo das famílias, sendo que um dos setores que mais esteve aquecido desde então foi o imobiliário, gerando uma "bolha especulativa" que veio a estourar no ano passado.

Uma das possíveis causas das crises nos tempos de globalização e financeirização tem sido a desconexão e distanciamento exagerado entre a exuberância dos mercados financeiros e economia real – o valor dos ativos financeiros tem se multiplicado e relação à renda real, vinculada à produção de bens e serviços - num cenário onde o crescimento global tem apresentado baixos resultados, comparados às décadas de 60 e 70. Aliás, desde essa época o sistema capitalista tem enfrentado fortes crises e convivido com uma tendência de queda nas taxas de crescimento.

Dinheiro a juros existe há muito tempo, não é uma invenção do capitalismo. Normalmente, à medida que o dinheiro excedente migra para o mundo das finanças, uma maior liquidez faz com que haja uma queda nos juros, desestimulando este tipo de aplicação, e estimulando o investimento produtivo. O contrário, uma forte onda de investimento produtivo, leva a um patamar superior de geração de riqueza e dinheiro excedente, que por seu turno tende a migrar para o mundo das finanças. Espera-se uma tendência ao equilíbrio para que o sistema funcione bem. As inclinações extremas causam grandes convulsões, ora devido à escassez, ora devido à superprodução.

O que nos últimos tempos tem causado uma propulsão desproporcional na banca mundial foram as inovações na emissão títulos e derivativos e a velocidade com que eles circulam no planeta, sem falar na falta de uma regulamentação adequada do setor, fruto da concepção ideológica que visa recuar o papel do Estado e alargar o campo de ação de mercado, e que criou um fenômeno novo, a financeirização.

De forma geral a financeirização consiste, basicamente, na existência de uma massa enorme de capitais circulantes pelo planeta, lastreados pelos títulos do tesouro dos EUA e no poder do dólar como moeda internacional e regulada de acordo com a política de juros do FED. Tudo isso associado aos crescentes déficits gêmeos – fiscal e conta corrente - norte americanos, com a elevação brutal nos gastos do governo e no consumismo exagerado das famílias sustentando o crescimento da economia, fazendo aumentar em escala colossal a emissão de dólares para dar conta de tudo isso e sugando, em contrapartida, a poupança dos povos num verdadeiro parasitismo planetário.

Os antecedentes que levaram a essa situação foram a vitória na "guerra fria" do modelo capitalista anglo-saxão e a supremacia política, econômica e militar dos EUA, que forjaram tal modelo como resposta ao problema da desvalorização do dólar e do seu papel como moeda internacional, o que vem se dando desde a década de 70. Acrescente-se a seus problemas a permanente contestação de sua hegemonia através de novos pólos de dinamismo econômico, como a China e as potências médias como o Brasil, Rússia e Índia, que há algum tempo já vêm entrando forte na concorrência global.

Nos EUA, esta concepção se revela patente na falta de um Estado provedor e que promova uma política habitacional aos mais pobres, obrigando-os a se submeterem a financiamentos pesados frente às instituições financeiras. O crédito fácil a juros baixos estimulou amplos setores sociais para a aquisição de moradias, e a inadimplência advinda, principalmente, com a elevação da taxa básica de juros pelo FED, foi o estopim para o estouro da bolha imobiliária e início desta crise no sistema financeiro, com conseqüências que têm se generalizado para os outros setores e pelo mundo afora.

A escala das perdas se contam em trilhões de dólares, sente-se o chão tremer cada vez que se vê falar de quebra de uma instituição financeira. Os governos movem-se freneticamente aportando recursos colossais para cobrir o rombo da crise. Contudo, são recursos públicos que poderiam ter uma destinação mais nobre. Na certa irá ocorrer nos EUA uma contração do emprego e dos salários com a recessão que se avizinha, o que tem gerado expectativas pessimistas com relação ao investimento e à produção, sem falar no crédito que beira à paralisia. Tudo isso leva a uma reação em cadeia retroalimentando negativamente o sistema e gerando ainda mais cautela e retração no ambiente dos negócios. É a crise gerando mais crise: menos emprego, menos salários, menos consumo, menos investimento, menos produção... e assim sucessivamente.

Dois fenômenos que me chamam a atenção: o primeiro é a proporção que a crise tomou e atingiu em cheio o sistema bancário, congelando as operações entre eles. E o segundo é ela ter iniciado no centro do capitalismo mundial – EUA e depois Europa – e ter atingido, ainda, com pouca intensidade a periferia, diferentemente das crises anteriores. Agora, são os países em desenvolvimento que poderão mais contribuir para o crescimento mundial e para restabelecer a confiança no âmbito global. Com isso, contudo, podem estar ameaçando o unilateralismo e a supremacia dos EUA, o que está fora dos planos deles.

Murilo Ferreira da Silva é mestre em economia rural e diretor do Sindicato dos Professores de Minas Gerais.

Artigo publicado no Caderno Vermelho Minas.


A Estrada vai além do que se vê!

Um comentário:

Bino! disse...

Ducaralho a charge

abrass