segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Sepultura faz show em Havana

Imagens filmadas em Havana farão parte de um documentário que preparam para celebrar no próximo ano


Tamara Roselló Reina, de Havana (Cuba)*

Do grupo brasileiro Sepultura ainda se fala em Havana, depois de sua apresentação em 19 de julho na Tribuna Antiimperialista José Martí. A notícia chegou como quase tudo em Cuba, primeiro foram os rumores. Alguns acharam que a atuação do conhecido Sepultura seria em dezembro passado, mas a viagem não fora possível .

O diário oficial Granma confirmou as suspeitas em 15 de julho. Então, os mais incrédulos começaram a crer que esta vez, sim, seria um feito. O sábado, 19 de julho, marcaria uma data memorável para os seguidores do rock and roll na ilha.

Em declarações à imprensa nacional e estrangeira, Andreas Kisser, guitarrista e diretor da legendária banda, disse que esta apresentação era “um sonho convertido em realidade” e prometeu que as imagens filmadas em Havana farão parte de um documentário que preparam para celebrar no próximo ano, o primeiro quarto de século do grupo, fundado pelos irmãos Cavalera em 1984.

Pouco conheciam Andreas, Paulo Jr., Derrick e Jean da produção de rock and roll em Cuba e da aceitação ou não de sua proposta metaleira pelo público, mas vir era um desafio. Traziam referências da sociedade cubana, da Buena Vista Social Club e do mestre em guitarra Leo Brouwer. Em seu retorno levaram uma imagem mais ampla do que é esta ilha e de sua música alternativa.

O programa da visita inclui um intercâmbio com grupos da Agência Cubana de Rock, que organizou um conceito exclusivo para o Sepultura, de um dos cenários habituais do gênero na capital, o Salón Rosado de la Tropical. Hipnosis, Clover, Zeus e Escape foram os grupos locais convocados para a ocasião.

Em Cuba, há milhares de seguidores como no resto do mundo que conhecem de memória suas canções, as pedem a gritos. Apesar disso, os temas do Sepultura só se transmitirem pelos poucos espaços midiáticos dedicados ao rock, fundamentalmente em emissoras de rádio territoriais. Tampouco há um acesso estendido às produções discográficas. No entanto, por vias alternativas os mais interessados se mantêm a par das novidades e, pouco a pouco, contemplam seus arquivos pessoais.

A mobilização que gerou Sepultura não se limitou à Havana. De outras províncias vieram jovens com mochila ao ombro, dispostos a passar a noite seguinte em um parque entre conhecidos, até retornar a seus lugares de origem. A ocasião valia o sacrifício.

A apresentação
O concerto se anunciou para as 10 da noite, mas desde horas da tarde o muro do dique, a uma lateral da Tribuna onde atuariam, encheu-se de cubanos e latino-americanos, sobretudo os que realizam estudos universitários, que carregaram cartazes, bandeiras, camisetas negras...
Poucos minutos antes do início, ao fazer provas de som, um amplo aplauso parecia anunciar aos músicos. Os mais distantes olhavam por cima das cabeças - evitando as luzes – para confirmar que já quase começava o concerto.

Aos que conseguiram ficar em uma zona privilegiada, mais perto do palco, o olhar se perdia no distante horizonte. A multidão parecia infinita, transbordava a praça, ocupava as ruas laterais, o muro do dique... Algumas previsões calcularam cerca de 100 mil pessoas, muito acima do que habitualmente a freqüenta.

Saudações e abraços, mãos apertadas e sorrisos de um lado para outro, velhos conhecidos, novos amigos, fanáticos e curiosos, todos impacientes, na espera por ver e ouvir a banda brasileira. Bandeiras ondulando por uma brisa fresca que vinha do mar, puxando nuvens.

Ante o microfone, Juan Camacho, popular condutor do programa radial Disco Ciudad. Suas palavas prendem a chama final, deixam efervescente o público. Anuncia o que todos já sabem. Começam os sons. Soa “Dark wood of error”. Só meia música e se escuta um de seus clássicos “Refuse/Resist” e o segue “Convicted in life” e “False”, antes que o cantor Derrick Greene cumprimentasse em inglês a multidão.

Ao meu lado uma garota não pode conter-se em lágrimas. Um menino pede a seu pai que o suba sobre seus ombros para ver melhor. Um cordão policial freia a euforia da primeira linha. Um pouco mais além se abre um círculo que atravessam garotos a puro salto. A chuva se desata. Os cinegrafistas da televisão nacional que gravam a atuação, protegem as câmeras da água. Os demais agradecem as gotas frias em meio a tanto calor. Ninguém se move em busca de refúgio.

Agora os acordes são de “D.E.C”, que dão lugar a “Ostia”, “Desperate cry”, “Attitude”, “Boycott” e “Treatment”. O tempo parece parado, em meio a um sonho, ninguém quer despertar, porque se haverá acabado o encanto.

Andreas Kisser, com uma pulseira em sua mão direita da bandeira cubana, se dirigiu ao público em seu quase perfeito espanhol para agradecer nossa presença enquanto Derrick aguçava a vista tratando de ver até onde chegava o público.

"Troops of doom", e "Territory" foram dos temas mais solicitados e desfrutados pelo público. "Roots bloody roots" foi sua última interpretação. As pessoas ficaram imóveis. Esperando a próxima, repetindo Sepultura, uma e outra vez. Depois começaria a cida social, como o chamamos ao intercâmbio, ao encontro que segue.

A multidão se diluiu paulatinamente. Alguns ficaram sentados no piso, contando uns aos outros como haviam vivido o concerto, perguntando-se em que lugar se ouvia melhor, querendo saber cada detalhe.

Ainda se fala daquela noite de sábado, que deixou pelas ruas havaneras múltiplos grupos de adolescentes e jovens, sem querer dormir para não esquecer nada do que aconteceu. Os que não puderam estar, esperam ansiosos a transmissão televisiva do concerto, ainda que certamente, não só eles a verão.

Talvez agora se dê mais crédito aos rumores que já andam profetizando o retorno do Sepultura ou o interesse de alguma outra banda a sua altura pela cena do rock and roll cubano. O próprio Andreas disse: “Esperamos que possam vir outras bandas depois que vejam o que gravamos aqui com o público cubano”.


*Especial para o jornal Brasil de Fato.


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