quarta-feira, 17 de junho de 2009

Incoerência de todos os lados

Muito tem se falado sobre as eleições no Irã, mas poucas opiniões foram tão bem embasadas e coerentes como a do meu amigo Eder Borborema. O artigo abaixo, publicado originalmente no Bloco do Zeder, vale uma atenta leitura.


Eleições no Irã expõe ignorância ocidental e esquizofrenia política

Não há como negar a influência das eleições no Irã para a configuração de nova correlação de forças no mundo político e bélico.

No entanto o acúmulo de preconceito e arrogância de políticos e jornalistas ocidentais escrevendo e falando sobre o que não conhecem é o que mais se destaca. Seria engraçado se não fosse parte do trágico evolucionismo neocolonialista.

Muito engraçado que pseudoespecialistas tenham tantas opiniões precipitadas em relação às eleições do Irã, se nem os iranianos têm informações sobre o que se passa no seu próprio país, onde os meios de comunicação são controlados.

Interessante que antes mesmo da eleição o presidente da Venezuela Hugo Chavez declarou apoio ao Ahmadinejad. Ora, se o primeiro se diz revolucionário como pode apoiar de antemão justo o candidato mais conservador? Um dos dois é o idiota.

Ora, daqui da minha inocência pergunto-me e aos clássicos da ciência política se toda a luta programática da esquerda mundial desde a luta republicana e humanista foi substituída na ultra-modernidade pelo modelo de aliança a curtíssimo prazo por afinidade pessoal? Fins imediatos duvidosos que justificam os atuais meios esquizofrênicos? O argumento estatutário de estratégia e acúmulo de forças, pela sua contradição, mais parece uma confissão de isolamento.

Aliás, o conceito ocidental de direita e esquerda nem se aplica a todos os países que têm processos históricos únicos. Enfim, não podemos dizer o que é esquerda na Irã, mas pelo materialismo histórico e dialético podemos dizer o que não o é, amparados pela antropologia estruturalista de que há traços comuns entre os povos é fácil imaginar que governos conservadores como Ahmadinejad definitivamente não contestam o status quo da luta de classes iraniana.

Reforçando as suspeitas, é, no mínimo, muito estranho que um sistema eleitoral complexo e não-informatizado tenha uma apuração tão rápida.

Interessante que um candidato "derrotado" tenha conseguido mobilizar centenas de milhares de pessoas tão convictas em um país onde não há tradição em mobilizações. Uma mudança cultural tão forte definitivamente não se dá por motivações menores.

Prepotente e evolucionista que tanto a mídia míope ocidental de direita e também de setores equivocados da esquerda atribuam à esta eleição uma opção pró ou contra o ocidente. Definitivamente Mir-Hossein Mousavi e Mahmoud Ahmadinejad eram alguns dos candidatos à presidência de seu país, não eram candidatos a amigo ou inimigo dos yankees, ou coisa assim.

Há incoerência de todos os lados, inclusive por aqueles que opinam sobre matéria que não dominam. Estes, fazem com que o Aiatolá Khamenei até se pareça ponderado ao solicitar a recontagem dos votos enquanto os ocidentais já "contavam" com o resultado.

Sabemos que o Aiatolá não é nem um pouco democrata, descolado, nem um pouco cool e não tem twitter, mas por recuar não parece ser tão idiota quanto os tantos palpiteiros ocidentais que sequer leram ao menos os clássicos da antropologia ou ciência política. Palpiteiros, que de dentro dos suas salas, trazem apenas as suas indigestas idéias prontas em uma caixinha quadrada de péssima qualidade científica e mal-intencionada.


A Estrada vai além do que se vê!

2 comentários:

Zéder disse...

(PARTE 2)

Outro aspecto é a análise regional, que é tão defendida por todos estatutariamente e no discurso, que é comumente subestimada. Aqui o erro, e as opiniões políticas internacionais do grupo envolvido (cultura regional) às vezes pouco conta na análise dos interessados (na notícia) de uma outra cultura, em outro espaço totalmente diverso (capitalismo ocidental) e tomando a análise daquele campus desconsiderando o habitus. Forma assim, uma opinião preconceituosa e carregada de valores diferentes dos que motivaram os sujeitos analisados em um outro contexto.

Não precisa dizer que o modelo evolucionista de interpretação da cultura é um preconceito rechaçado há muito tempo no debate antropológico, mas que por interesses muito forte dos que formularam o sistema de poder, este preconceito incrivelmente ainda persiste e distancia grande parte do jornalismo político e econômico da realidade à qual a parte mais fraca vive.

Daí talvez venha influenciado a rejeição de grande parte da população com a política, sendo a informação contaminada pelos donos dos meios de comunicação, os burgueses do futuro.

Uma única injustiça que posso ter cometido se observado este texto descontextualizado, e aqui o trocadilho não foi intencional, é que o presidente Chaves tem feito grandes avanços sociais e contribuído para o êxito das esquerdas latino-americanas, mas que governar é um ato complexo e como tantos pontualmente qualquer governante pode ser sim criticado, pode sim, ser não-seguido. Sim, a política moderna é cada vez mais específica e diversa e há, sim, cada vez mais a necessidade de espaço para a formação do pensamento autônomo, e as instituições que não se adaptarem serão fatalmente ultrapassadas ou na melhor da hipóteses isoladas.

A crítica também deve ser encarada como algo natural para os que pretendem melhorar cada vez mais. Ora se o sistema é cultural, é humano, e como os homens são passíveis de erro. Cabe, aos que se interessam tentar melhorar cada vez mais, e a outros fazer o que querem. O que não pode é uma verdade única sem o amplo debate e a análise dialética, para a construção da democracia e dos meios de alcançar o bem comum.

Não é relativismo, muito pelo contrário. Procuro atualizar a partir do avanço estruturalista considerando as linhas gerais do processo histórico com as especificidades regionais, sobretudo da cultura popular. Enfim, aprende para a política o que a antropologia já sabe há muito tempo.

Mas como se sabe, os políticos é que governam os antropólogos e não o contrário.

Obrigado! :)

SAUDAÇÕES COMUNISTAS/

Zéder disse...

Prezado Ramon,

Fico muito honrado e não imaginava a publicação em um site tão importante como o seu, certamente eu me estenderia mais se soubesse e posso fazer aqui algumas considerações que fazem parte do contexto à qual analisamos.

O presente texto é um recorte histórico temporal à qual identifiquei o não-alinhamento do processo histórico e sobre ele certamente tem a ver com o avanço das opiniões da esquerda, sobretudo a brasileira que é muito observada e até admirada pelo mundo.

A esquerda mundial vê agora nosso sub-continente como referência positiva, como experiência bem sucedida de acúmulo de forças e mobilização dos movimentos sociais pela conquista de direitos. E mais ainda agora a esquerda latino-americana e brasileira é observada de perto após a recente baixa sofrida na Europa, enquanto aqui continuamos na curva crescente.

O presente texto também faz parte de uma série de estudos que iniciei a relativamente pouco tempo sobre uma uma nova discussão de cultura política alternativa aos atuais modos, meios e modelos implementados até então.

Se estamos em processo de avanço das conquistas sociais é justo que o velhos modelos sejam contestados. Só não é um processo natural porque é cultural, mas o seu crescimento é vegetativo.

Um importante elemento que considero ter sido muito injustiçado na formação do sistema político arcaico é o aspecto antropológico. Na própria formação do sistema republicano brasileiro, e outros, é clara a disposição sistematizada para a manutenção do poder entre as elites.

Neste sentido, a maioria dos estudos políticos a que encontramos no topo da referência acadêmica conservadora - nem precisa falar aqui das notícias de grande parte da imprensa que refletem os interesses dos donos dos meios de comunicação, análises rasas sobre temas complexos - debruça diretamente sobre a arte do poder (lembra do livro do FHC? Que piada..) em si, mas pouco sobre as especificidades da cultura popular à qual este poder se recai. Desta forma, formou uma injustiça histórica que configurou uma política longe dos aspectos culturais, pela própria característica do poder centralizado, volto a dizer.

Ora, este aspecto pode ser melhor observados pelos métodos antropológicos já existentes na literatura, muito avançados no Brasil, mas que no entanto infelizmente é compreendido muito longe dos espaços de discussão política e econômica.
(PARTE 1)