quinta-feira, 21 de maio de 2009

Simonal, a reabilitação

Autor lembra que no processo em que foi julgado por mandar torturar seu contador, as testemunhas de defesa do cantor foram um detetive do Dops e um oficial do Exército


por Urariano Mota*

Com o filme "Simonal - Ninguém sabe o duro que dei", começou a reabilitação de Wilson Simonal. Não se conclui outra coisa, quando se lêem os artigos publicados em todo o Brasil. Em todos os jornais, os críticos mais parecem uma orquestra afinada para uma só composição, para um só samba de uma nota só. Em toda a mídia se repetem as saudações ao documentário, à sua imparcialidade, etc. etc.

Na Folha de São Paulo, no texto com o título épico "Simonal refaz saga do cantor", entre outras coisas se escreve:

"Aconteceu no final de 1971. Por suspeitar que estivesse sendo roubado, o cantor teria mandado bater no contador de sua empresa. Só que o homem vai parar no Dops (Departamento de Ordem Política e Social, hoje extinto), onde é torturado. Não demora até que os jornais liguem as pontas -não necessariamente cobertos de verdade- e publiquem a manchete: ‘O cantor Wilson Simonal é informante dos órgãos de segurança do Estado’... Mais que biografar a ascensão e queda meteóricas de um ídolo - e isso é feito de maneira empolgante-, o documentário reescreve a saga de Simonal para que, conhecendo finalmente sua história, o Brasil possa absolvê-lo de coisas que talvez ele nem sequer tenha feito".

Observem que:
1. O cantor "teria mandado bater no contador". Teria, em lugar de Mandou.

2. "...o homem vai parar no Dops (Departamento de Ordem Política e Social, hoje extinto), onde é torturado". Por acidente, ele foi parar no Dops.

3. "...o documentário reescreve a saga de Simonal para que, conhecendo finalmente sua história, o Brasil possa absolvê-lo de coisas que talvez ele nem sequer tenha feito." Absolvê-lo(...) Não demora, a família entrará com processo na Anistia.

Por falar em Anistia, artigo no Jornal do Commercio, do Recife, é mais explícito:
"A chance de anistia de Simonal - Filme conta história de cantor que morreu com fama de dedo-duro, mas foi mesmo uma vítima da intransigência ".

No UAI, de Minas, a reabilitação continua:
"Nos dias de hoje, a maioria das pessoas que conhecem o assunto acredita na tese de que Wilson Simonal foi derrubado por uma rede de boatos, somada a preconceitos raciais e sociais que levavam, em muitos grupos, a um estado de desconforto frente ao sucesso do cantor. Simonal pende nitidamente para este lado."

No JB, do Rio, o mesmo samba:
"Com um design e produção impecáveis, o trio de diretores Cláudio Manuel, Micael Langer e Calvito Leal tenta também trazer à tona a perseguição que o cantor sofreu, após a suspeita de que ele estava a serviço do Dops, na época da ditadura. Recheado de entrevistas, o filme tem o mérito de ser, em grande parte, imparcial. Mas faltam depoimentos e nomes de artistas que efetivamente promoveram o boicote... Numa montagem esperta, o papel de bicho-papão ficou só com os jornalistas do Pasquim que participam do filme: Sérgio Cabral, Ziraldo e Jaguar. Este último, em destaque, é colocado pela edição nos momentos antagônicos, em contraponto a considerações positivas sobre o cantor. Seria alguma forma de revanche? O público é quem decide. "

Em O Globo, entre outras louvações, transcrevem-se as palavras de Nelson Motta, "Simonal virou um tabu, um leproso, um pária..." Mas o modo mais parcial vem do Guia da Semana, de São Paulo, em editorial(!):
"No início da década de 70, Simonal percebeu que estava sendo roubado por seu contador. De pavio curto, o cantor contratou um grupo para dar uma surra no traidor. Porém, o episódio envolveu agentes do Dops, e o obscuro fato fez com que se espalhasse a notícia de que o músico era informante do regime militar. Sem provas contra ou a favor do artista, Simonal foi condenado ao ostracismo, morrendo como um desconhecido em 2000."

Parece ter desaparecido no espaço o texto de Mário Magalhães, quando era ombudsman na Folha de São Paulo, em 30 de março de 2008:
"A verdade: em 1974, Simonal foi condenado por surra dada em um contador. No processo, levou como testemunha sua um detetive do Departamento de Ordem Política e Social do Estado da Guanabara. Ele assegurou que o cantor era informante do Dops. Outra testemunha de defesa, um oficial do 1o Exército, jurou que o réu colaborava com a unidade. O juiz sentenciou: Simonal era ‘colaborador das Forças Armadas e informante do Dops’. Em 1976, acórdão do Tribunal de Justiça do RJ reafirmou a condição de ‘colaborador do Dops’. Não foram inimigos que inventaram a parceria com o regime, exposta sem reservas pelos amigos de Simonal, que se dizia ameaçado por gente ligada ‘a ações subversivas’ ".

Pelo andar da carruagem, não demora, vão fazer um documentário que absolva o cabo Anselmo. Com a repercussão em uma só nota de toda a imprensa. Como agora, no filme desta semana: Simonal, a reabilitação.




A Estrada vai além do que se vê!

2 comentários:

Guilhermé disse...

Vi o documentário e gostei por ser parte da história que eu desconhecia.
tende à compaixão por ele, fato, mas não acho q o absolva, talvez tente desmistificar a pecha de dedo duro, q o imbecil mesmo criou, mas quanto a violencia contra o contador não - crime pelo qual, o cara foi julgado, condenado e cumpriu pena. Não sei pq ele é diferente do Belo, que está em todas as rádios. Ou do João Cabral de Melo Neto, que possui documentos comprovando que era de fato "informante" e ninguém queima os livros dele. A diferença é que ele cantava pra caralho.
Acho que o que faltou no documentário foram nomes. Os artistas que boicotaram o Simonal deveriam ter aparecido e segurado a pemba, como o contador fez.

Anônimo disse...

A ditadura, esta dos dois lados; o tal do perdão, apregoado aos quatro ventos, não existe. Ainda que tivesse culpa, não caberia ser banido de sua atividade. Pagou, por ser diferenciado em todos os sentidos.