Foto: Ariadne Carvalho
Hoje vamos publicar um artigo de um grande e combativo amigo, Danniel Coelho, estudante de Ciências Sociais da Unimontes, membro da Direção Estadual da União da Juventude Socialista (UJS), e uma das principais lideranças estudantis de Minas Gerais.
Apreciem sem moderação.
Considerações acerca da posição secundária do povo na visão historiográfica oficial.
*Danniel Ferreira Coelho
A historiografia oficial brasileira, desde seus primórdios, analisa e atribui características ao povo deste país, que em um primeiro momento aparentam-se elogiosas e até mesmo de exaltação, características implícitas em afirmativas do tipo “o povo brasileiro, é um povo pacifico...”, entretanto faz-se necessário um estudo mais profundo acerca desse tipo de frase, a fim de se compreender realmente os interesses contidos subliminarmente em tais afirmações.
“O povo brasileiro é um povo pacifico...”, realmente essa é uma idéia muito boa de se aceitar, ao analisar-se apenas de relance. O povo brasileiro não quer fazer guerras contra ninguém, participou, oficialmente, de poucas expedições militares em solo estrangeiro.(*salvo engano, se não se contar as expedições ocorridas na época do Brasil colônia e império, onde as fronteiras sul-americanas não estavam bem definidas, só me recordo de duas campanhas militares contra outros paises, que foram a Guerra do Paraguai, e a participação na 2ª guerra mundial). Contudo ao ir a fundo do significado da palavra “pacifico”, chegar-se-á o conceito de passividade, e esta é esta característica real que a historiografia da classe dominante quer atribuir ao povo brasileiro. Estes afirmam que as mudanças ocorridas no país ocorreram pela simples intervenção dos governantes, que a partir de reuniões em seus gabinetes, ou até mesmo às margens do rio Ipiranga, realizaram as mudanças nas estruturas da sociedade brasileira. Portanto o sofrido povo brasileiro deve esperar até que outro “iluminado” chegue ao poder e melhores as condições de sobrevivência da população.
A militância da União da Juventude Socialista não pode de modo algum acreditar em tais “balelas”, muito pelo contrário, deve sempre combatê-las. Deve combatê-las pois, além de serem essas idéias um artefato claro presente no arcabouço ideológico burguês, simplesmente não são verdadeiras. Toda a história da humanidade, portanto obviamente a do Brasil também, é marcada por mudanças no conjunto da sociedade, seja ela qual for, e estas têm como condição sine qua non a participação de amplas massas populares. Fundamental salientar que essas mudanças não foram “presentes” dados a essas massas, mas sim conquistados por ela. Portanto, é fato, e deve-se sempre enfatizar este, que o povo brasileiro quer paz, mas esta deve ser compreendida como um todo, e não em um contexto de submissão, o povo quer paz mas não aceita passividade, e isto é demonstrado em toda história do Brasil.
Um bom exemplo que merece ser citado, que expressa muito bem esse fato até mesmo no contexto Brasil colônia, é o da tentativa de invasão francesa em 1710. Nesse momento não havia nenhum tipo de sentimento de unidade nacional, que ligasse de norte a sul do país – talvez não existisse sentimento algum de que essa porção de terra toda que hoje se chama Brasil, fosse em si uma nação. Entretanto o sentimento de defesa da terra natal fez com que o povo agisse.
Os mais de mil soldados franceses desembarcaram no Rio de Janeiro em setembro de 1710, portando o que havia de última tecnologia em armamento de fogo de porte pessoal. Se a visão da historiografia oficial estivesse correta, o que teria acontecido seria que um governante “iluminado” e dotado de brilhante visão estrategista iria utilizar o exército para expulsar os invasores. Se o povo estivesse, naquele momento, esperando essa solução possivelmente este texto estaria sendo escrito em francês, pois o então governador estava recluso em seu palácio, vacilante em agir, e utilizando todos os soldados na sua própria defesa. O que ocorreu foi que logo após da chegada francesa, e sua penetração na cidade, aparentemente deserta e desguarnecida, na altura da rua direita, encontraram então a resistência local. Cerca de quinhentos jovens, que portavam majoritariamente paus e pedras, partiram com toda sua cólera para cima dos franceses, resultando no inicio da situação agonizante da invasão, que não resistira a força do povo brasileiro, sendo então sacramentado o fim da tentativa francesa em meados de março de 1711.
Ainda na analise do Brasil colônia, vários outros exemplos podem e devem ser dados para demonstrar a atuação determinada do povo brasileiro, pois essa história que a independência política junto a Portugal, aconteceu por que um belo dia, às margens de um exuberante rio Ipiranga, montado em um belo alazão branco, um príncipe português, imbuído de amor por essa terra que há tempos habitava, esbravejou destemidamente “independência ou morte” é uma enorme bobagem.
A autonomia política brasileira ocorreu devido a um longo processo de lutas que culminou com o acontecido de 7 de setembro de 1822. Talvez a luta mais simbólica desse longo processo, seja a ocorrida na então Vila Rica (hoje Ouro Preto-MG) centro fundamental da extração mineral, a chamada Inconfidência Mineira. O povo organizou e planejou uma grande revolta, substanciada ideologicamente pelos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade da revolução liberal francesa. Entretanto seduzido pela idéia do ganho pessoal, um certo homem de sobrenome “dos Reis” (sobrenome sugestivo), que hoje é o símbolo nacional da delação, denunciou a revolta a um certo visconde, preparando assim as forças de coerção portuguesas a dissipar o evento.
Revoltas como essa aconteciam em todo o país; no Pará, na Bahia, no Maranhão, enfim em diversos locais, portanto o estado de colônia se tornava insustentável, por isso o príncipe, imbuído de oportunismo e não de amor, em conjunto com a classe dirigente política local, participou do que seria o fim do julgo português no Brasil.
Aos descendentes desse príncipe a historiografia oficial também atribui grandes feitos humanitários, como a assinatura da lei Áurea por uma tal princesa abolindo assim a escravidão negra no Brasil. É evidente que o fim do trabalho escravo no país (se é que se pode dizer que ele de fato acabou...) não foi um presente de uma princesa aos seus amados súditos, mas sim, foi fruto de muita pressão do povo, expresso no sentimento abolicionista que de sentimento se tornou um grande movimento e que tem sua expressão máxima na obra do grande poeta baiano Castro Alves.(que por seus feitos se tornou patrono da UJS).
Acerca do Brasil império existe outra besteira gigantesca que a historiografia oficial gosta de propagar, que é sobre seu fim. Quem nunca ouviu histórias que afirmam que enquanto os marechais se dirigiam para depor o filho do príncipe, então imperador, o povo simplesmente olhava e continuava a cuidar de suas próprias vidas, sem ter a menor idéia do que se passava. Histórias desse tipo dão a entender que em outro belo dia, esse em novembro de 1889, um grupo de “iluminados” chegou a brilhante conclusão que a republica era melhor que o império e então foram até a residência oficial, resolveram o problema tirando o monarca do poder, e o mandaram para Paris recebendo uma gordissima indenização mensal vitalícia como um pedido de desculpas pelo incomodo de ter sido deposto. Esse fato acima citado é somente o arranjo feito pela classe dominante para ceder às pressões populares. Durante todo o império houve intensa resistência e manifestação popular contra ele, em todos os cantos do país. Em quase todas as faculdades existentes havia clubes republicanos por exemplo. Por isso que o império caiu, se não fosse o povo ainda seria a Casa de Bragança a classe política dirigente do país.
É preciso compreender dialeticamente esses eventos, para não cair em contemplações paradoxais, que não entendem como um movimento popular gerou um governo burguês. Fundamental analisar-se a sociedade pelo modo que se produz suas riquezas, a partir daí compreender que quem possui esses meios de produção detêm o poder, portanto a política é somente um epifenômeno advindo do desenvolvimento desses meios de produção, entretanto avanços na estrutura de governo vigente, são fundamentais para o desenvolvimento de uma consciência revolucionária nas camadas populares, todavia até então essas camadas não possuíam essa consciência, o povo sabia que tinha que mudar a sociedade, só não sabia o que mudar, por isso que do império se implementou a republica velha, de um modo geral sendo uma troca de seis por meia dúzia.
Por falar em republica velha, a historiografia oficial alude a uma frase de um ex-governador mineiro a sua queda “... façamos a revolução antes que o povo a faça...”. Até mesmo o autor de tal frase reconhece a força do movimento das massas, mas a historiografia burguesa não. Antes de 1930, ano da queda da republica velha, várias manifestações claras da insatisfação popular eram expostas. Só pra citar alguns exemplos; a revolta dos dezoito do forte de Copacabana, a greve geral em São Paulo, a organização de um incipiente movimento sindical, a fundação do Partido Comunista do Brasil, a lendária coluna Prestes, a semana de arte moderna que representava a indignação perante o status quo, dentre outras. Depois de todos esses exemplos, ainda assim querem falar que quem derrubou o regime foi um caudilho gaúcho, com tendências ditatoriais, que ficou chateado por ter perdido as eleições, e resolveu depor o governo... Mais fácil acreditar em papai Noel!
A ascensão e queda desse caudilho, e depois a sua nova ascensão e sua nova queda foram apenas expressões da vontade popular. Diferentemente do outro regime ditatorial que ocorreu no Brasil.
Este outro ocorreu devido à aquisição real do povo da consciência revolucionária anteriormente citada. O povo compreendeu que somente iria transformar a sociedade a partir da mudança da produção de riquezas desta. A partir disso a classe dominante, para não perder seu controle da sociedade instaurou regime fascista em 1964, para controlar violentamente a população. A classe dominante compreendeu que dessa vez o povo queria realmente mudar as estruturas da sociedade, e por isso financiou o regime ditatorial.
Portanto, como se é notório, os militares ficaram aproximadamente 20 anos no poder. Para a historiografia burguesa aparentemente eles saíram simplesmente porque cansaram do poder. A partir de meados de 1970, com a troca de um general sanguinário, por um mais “light”, os próprios militares fizeram uma “auto-critica” de seus excessos e resolveram aos poucos, em um processo unilateral, fazer a redemocratização, até que em 1985 o último general saiu e em um gesto simbólico pediu para o povo se esquecer dele. Afirmam também que foi um governador de Minas que iria completar a redemocratização, mas este morreu, sendo então essa tarefa executada por um ex-apoiador maranhense dos militares. Fica o questionamento, quando a burguesia afirma que essa é a história da redemocratização do Brasil, ela o faz por ignorância ou por má fé? Provavelmente má-fé, pois é impossível ignorar o grande movimento de resistência a ditadura que houve no seio da sociedade. Quem pode se esquecer da efervescência do movimento estudantil, principalmente representado pela atuação de sua entidade máxima a União Nacional dos Estudantes, das epopéias homéricas das guerrilhas urbanas, da lendária e heróica guerrilha do Araguaia, onde foram destacados mais de 10.000 militares (segunda maior mobilização das forças armadas brasileiras, perdendo apenas para a campanha na segunda guerra mundial) para conter menos de uma centena de guerrilheiros, dentre diversos outros eventos que tanto orgulham a história do povo brasileiro. O fim da ditadura foi uma conquista do povo brasileiro, muitos colocaram a própria vida à disposição da causa, e isso é um fato impossível de ignorar.
Para finalizar, ausento-me do recurso da impessoalidade utilizado na escrita em 3º pessoa, para somente clarear um fato e reforçar a idéia. Quando nessa minha explanação recusei-me a citar os nomes dos personagens históricos, foi intencional para enfatizar a convicção de que a história não se faz pela atuação fantástica de determinados “iluminados”, e sim pela constante atuação do povo na luta pelos seus interesses. A única exceção foi a citação nominal de Castro Alves, mas esta fiz questão pois como já disse, esse é o patrono da UJS.
*estudante de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), membro da Direção Estadual da União da Juventude Socialista em Minas Gerais (UJS).
A Estrada vai além do que se vê!
Nenhum comentário:
Postar um comentário